sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A morte segundo Manuel António Pina

A morte e a vida morrem 
e sob a sua eternidade fica 
só a memória do esquecimento de tudo; 
também o silêncio de aquele que fala se calará. 

Quem fala de estas 
coisas e de falar de elas 
foge para o puro esquecimento 
fora da cabeça e de si. 

O que existe falta 
sob a eternidade; 
saber é esquecer, e 
esta é a sabedoria e o esquecimento. 

                                         In Aquele que Quer Morrer

Manuel António Pina (1943 - 2012)

Sétimo Dia

Ao Manuel Hermínio 

Voltámos, um a um, da tua morte 

para a nossa vida como quem regressa a casa 
de uma longa viagem. Para trás ficaram recordações, países, 
e agora é como se te tivéssemos sonhado. 

A voz que, diante da escuridão, suspendemos 
quando se desmoronou o mundo para o fundo de ti 
erguêmo-la de novo para os afazeres diurnos 
e para as horas comuns. 

Ainda ontem estávamos sozinhos diante do Horror 
e já somos reais outra vez. 
A própria dor adormeceu no nosso colo 
como um animal de companhia 

                                            Atropelamento e Fuga (2001)